Sustentabilidade no século XXI
(A. M. Samsam Bakhtiari, 2002-10-25)
tradução de J. Figueiredo
A sustentabilidade nunca
foi um problema planetário. Em breve poderá vir a sê-lo. Algo 'jamais vu' para a
espécie humana. Até à aurora do século XX ninguém se preocupara com a
sustentabilidade pois a principal actividade econômica, a agricultura, era
basicamente sustentável: ano a ano, o produto da terra era colhido de acordo com
os ciclos da Mãe Natureza.
Até mesmo as sucessivas ondas de industrialização pareciam ser facilmente
sustentáveis e, naturalmente, os serviços tão pouco criavam quaisquer
problemas.
A questão da sustentabilidade global foi levantada inicialmente pelo Clube de
Roma, em 1972, com o seu relatório seminal 'Limites do crescimento'. Mas a
severa advertência do relatório gradualmente desvaneceu-se no último quarto de
século.
DEFINIÇÃO
Preliminarmente tentemos definir o que é 'sustentável'. Este conceito vasto
ajusta-se mal a qualquer definição simples. Entretanto, ele tem implicações
"para um não especificado longo período de tempo" — digamos, "um certo número de
gerações humanas". Além disso, sua imagem multifacética contem noções de
'manutenção', 'continuidade' e 'persistência'. De certa forma, podia ser "a
capacidade para navegar à presente velocidade rumo a um futuro previsível".
De fato, sustentável significa diferentes coisas para diferentes pessoas. Para
um político é uma palavra útil que ele gosta muito de utilizar — tal como
"desenvolvimento socialmente sustentável". Para o ambientalista, ela parece de
importância crítica pois ata num só conjunto a Terra à economia e ao sistema
social. E, para o homem corrente, soa positiva e reconfortante: quem pensaria em
apoiar a 'insustentabilidade'?
Não só o seu significado varia com os indivíduos que a utilizam como os seus
reflexos diferem quando examinados do ponto de vista das principais entidades
sociais existentes no planeta.
DIFERENTES VELOCIDADES
Toda a sociedade ou agrupamento humano vive num nível específico de
desenvolvimento, portanto a uma dada velocidade. Falando em termos gerais, no
dealbar do século XXI, a espécie humana pode ser subdividida em cinco grandes
grupos: (1) pré-agrícola; (2) agrícola; (3) industrial; (4) pós-industrial; e
(5) os pioneiros da era da informação.
Para cada um dos grupos acima citados, 'sustentabilidade' não só tem um
diferente significado como também implicações muito diversas. No nível mais
baixo do espectro, apenas ajustamentos menores podem manter o grupo numa rota
sustentável. Em contraste, no nível mais alto, mesmo perturbações menores podem
descarrilar o mais refinado dos sistemas. Assim, pode-se dizer que a
vulnerabilidade de um grupo é inversamente proporcional à sua velocidade média.
E também, como corolário, que quanto mais vulnerável for o sistema, mais
instável e menos sustentável ele será se posto à prova.
É interessante verificar que os muitos ricos e os muito pobres em cada grupo não
têm de se preocupar com a sustentabilidade. Os primeiros sempre poderão adquirir
os pré-requisitos para sustentar o seu estilo de vida, ao passo que os últimos
sempre serão capazes de prover a sua miséria.
Para a grande maioria neste intervalo, a questão da sustentabilidade acabará no
fim das contas por depender da questão crucial dos futuros abastecimentos de
energia.
ENERGIA
A atual oferta global de
energia é dominada pelos combustíveis fosseis: petróleo, gás natural e carvão.
Mas o fardo principal cai sobre o petróleo que ainda fornece 40% das
necessidades globais de energia primária.
Todo o processo de produção depende da energia. Mesmo a lavoura modesta está
diretamente dependente dela, tal como a agricultura plenamente mecanizada exige
combustíveis e fertilizantes. As grandes indústrias tal como a automobilística,
aeroespacial, química e serviços públicos são altamente intensivas em energia. E
mesmo as 'novas' indústrias da era da informação consomem grandes quantidades de
energia: cerca de 30% da eletricidade da Califórnia é tragada pelos computadores
e toda a sua parafernália.
O FIM (THE CRUNCH)
Durante o século XXI
parece inevitável o fim do petróleo (petroleum crunch) . O mundo não pode
consumir 28 mil milhões de barris de petróleo bruto por ano e ilusoriamente
esperar que este continue a ser 'sustentável'. Com reservas de petróleo
estimadas em cerca de 1000 mil milhões de barris, é claro que dentro destas
próximas décadas a oferta inevitavelmente deixará de cobrir a procura, na medida
em que as reservas de petróleo gradualmente secarem.
Para o observador perspicaz, as primeiras pequenas falhas energéticas já
surgiram na califórnia (a sexta economia do mundo) e no Brasil (um dos mais
prometedores países em desenvolvimento). Estes primeiros sinais de perturbação
assumiram a forma de cortes de corrente: a eletricidade é o Calcanhar de Aquiles
da energia.
E quando acaba a luz, "vocês voltam à Idade Média", segundo o Dr. Richard
Duncan.
DESACELERAÇÃO VOLUNTÁRIA
Por todo o globo, algumas
pequenas minorias principiam a acordar para as ameaças a longo prazo. Suas
motivações são certamente diversificadas, mas todas elas têm a
'sustentabilidade' como objetivo.
Projetos de estudos sobre sustentabilidade básica estão a multiplicar-se por
todo o mundo. Basta citar três exemplos:
-Primeiro, o 'Projeto de indicadores de sustentabilidade' lançado por três
municípios do Texas, que cobre 40 parâmetros relacionados com actividade
sustentáveis sob quatro categorias: (1) Comunidade/infância; (b) Economia/força
de trabalho; (c) Ambiente/saúde; e (d) Terra/infraestrutura.
-Segundo, o 'projeto sustentabilidade' principiado em 1999 pela University of
Victoria, na Columbia Britânica (Canadá) que até agora concebeu um "Sistema de
Administração Sustentável" (SMS), apoiou estudos sobre energia, ambiente,
transportes e água, e ainda auditou todo os resíduos gerados no seu campus.
-Terceiro, o "Movimento das cidades lentas" ("Slow Cities' Movement) lançado na
região italiana da Toscania — para ser preciso em Greve, um pequeno centro
urbano a cerca de 25 km de Florença — e agora circundado por umas 70 cidades
toscanas, é um caso exemplar. Os objetivos pretendidos pela associação são
salvar "a alma das cidades", bem como as zonas rurais, sua tradição e sua
culinária.
MAIS LENTAS?
Alguns dos provérbios
populares, como "A pressa leva ao fracasso" e "Devagar se vai ao longe", não
foram forjados em vão pelos nossos antepassados ao longo dos séculos.
Possivelmente, um modo de vida mais lento e mais calmo poderia realmente vir a
enriquecer a vida comunitária e por fim a melhorar a qualidade de vida. Será que
realmente precisamos de andar cada vez mais rápido? Para alcançar quem?
Há um voto na lentidão nas campanhas anti-globalização que se espraiam por todo
o mundo (como Seattle, Genova, ...). Há inegáveis sinais de que por trás do
bruá-á existe uma reação contra o super-rápido e o super-eficiente. As batalhas
perfiladas parecem ser entre as "Forças da tradição" e as "Forças da
velocidade". Uma luta global começou a opor o mercado aberto uma vez por semana
à superloja, a padaria tradicional à fábrica de pão completamente automatizada,
e o restaurante local fora de moda ao fastfood relâmpago.
Postas em perspectiva, estas são as primeiras fagulhas de uma prolongada
contestação que lança a generalidade das pessoas contra a eficiência organizada.
Não é preciso dizer que o resultado final deste duelo desigual está decidido de
antemão: a generalidade dos indivíduos prevalecerá, como sempre aconteceu.
RETORNO ÀS RAÍZES
Todas as vezes em que é
confrontado com a mais vaga sensação de insustentabilidade, o Homem
instintivamente retorna às suas raízes. Quando travado nos seus caminhos por
circunstâncias fora do seu controlo (como por exemplo fornecimentos de petróleo
reduzidos), ele terá apenas uma forma de sair da sua difícil situação:
agarrar-se àquilo que tem: suas tradições, sua história, sua cultura — numa
palavra, suas 'raízes'.
Assim, com a 'insustentabilidade' a assomar bombasticamente durante o século
XXI, o Homem será cada vez mais atraído para as suas fontes originais e para
velocidades mais baixas — ou seja, retornará às cores e aos ritmos da Mãe
Natureza.
No fim, os vencedores finais serão aqueles com raízes mais profundas —
especialmente aqueles que tiveram a previsão de cuidadosamente preservarem as
suas durante o turbulento século XX. E ai daqueles que perderam as suas raízes.
À escala individual, os prêmios finais irão para aqueles que estão preparados
para fazer os sacrifícios necessários. Além disso, aqueles que têm humildade —
uma qualidade humana altamente apreciada por Deus Poderoso — atravessarão melhor
do que outros os labirintos e caminhos tortuosos que estão por vir.