Confissões de um assassino econômico
John Perkins trabalhou como
economista-chefe da empresa Chas. T. Main em Boston, Massachusetts, no período
de 1971 a 1981. É considerado um especialista internacional no que se
convencionou chamar de “macroeconomia” e apresentado como “ex-membro respeitado
da comunidade de negócios na banca internacional”. Em seu livro “Confissões de
um assassino econômico (Confessions of an Economic Hit Man), descreve como,
enquanto profissional altamente bem pago, trabalhou para que os Estados Unidos
pudessem defraudar em trilhões de dólares países pobres do globo inteiro,
emprestando-lhes mais dinheiro do que eles poderiam pagar para depois se apossar
das suas economias.
Trata-se de uma obra inquietante, de um profundo conhecedor do assunto. Em
entrevista ao programa “Democracy Now”, declarou acerca de seu livro:
“Por várias fui convencido a deixar de escrever este livro. Recomecei-o mais de
quatro vezes durante vinte anos. Em todas as ocasiões, a minha decisão de voltar
a começar foi influenciada pelos acontecimentos mundiais da época; a invasão do
Panamá em 1980, a primeira guerra do Golfo, a Somália e a revolta de Osama Bin
Laden. No entanto, as ameaças ou os subornos acabaram sempre por me convencer a
parar”
Primeiro a definição, o que seria um assassino econômico? Algumas pessoas
devotam a sua vida à construção e preservação do império estadunidense, criando
situações que façam voltar a maior parte possível dos recursos internacionais
aos cofres estadunidenses, sejam empresas públicas ou privadas, governo ou
cidadãos comuns. Inegável o sucesso deste tipo de gente, a quem em última
análise, se deve a construção do mais poderoso império que a humanidade já viu.
Perkins ressalta a deposição de Mossadegh, dirigente constitucional eleito
democraticamente no Irã e substituído pelo Xá Reza Pahlevi, mais dócil aos
interesses estadunidenses. Aquele episódio, do início dos anos 50, marcou
profundamente o Autor, despertando o início de sua percepção política.
O mundo vivia o período da bipolarização, quando a URSS ainda despontava como
uma Superpotência a se contrapor aos interesses estadunidenses. O assassinato
econômico mostrava-se mais eficaz que a intervenção armada, porque mantinha o
sistema produtivo do país ocupado intacto – o que era vital no período da Guerra
Fria – mas o subordinava irremediavelmente aos interesses estadunidenses.
Perkins informa que a atuação internacional de seus conterrâneos e colegas de
profissão primava pelo assassinato econômico, geralmente em sua versão mais
simples e grosseira: empréstimos vultuosos a países pobres, muito acima de sua
capacidade concreta de pagamento, levando toda a nação a um espiral insolúvel de
endividamento. Cita nominalmente o Equador, para onde pessoalmente carreou US$ 1
bilhão. Desse montante, pelo menos 90% foram pagos a empresas dos EUA – como a
Halliburton ou a Bechtel – que fizeram obras de infra-estrutura para a classe
dominante. Os trabalhadores do Equador eternamente endividados, terão o resto de
suas vidas para pagar juros e juros sobre juros. A dívida não existe para ser
paga e é mesmo impossível pagá-la. A dívida é criada para manter a nação
vitimada eternamente em submissão a interesses estrangeiros. Sempre que ocorre
de a nação dominada não conseguir pagar os juros ou a política estadunidense
assim o requerer, representantes estadunidenses retiram diretamente do país suas
riquezas minerais e naturais. Perkins enfatiza a importância da Amazônia, cujas
infinitas riquezas, sempre cobiçadas pelos EUA, vêm sofrendo um processo de
rapina em nome da incapacidade das nações latino-americanas de pagar suas
dívidas.
Cometido o assassinato econômico, ou seja, estando a nação definitivamente
dominada economicamente pelo centro do império, o assassino econômico passa a
trabalhar em empresas particulares e são por elas regiamente remunerados até que
a memória de sua proeza se evanesça, quando podem se sentir novamente convocados
a atuação similar em qualquer outra nação do mundo, seja uma república russa
recém escravizada ao capitalismo, seja uma nação que subitamente encontra uma
grande riqueza natural como grandes reservas de petróleo ou carvão mineral.
Panamá
O domínio estadunidense se dá através de três etapas distintas. Primeiramente
são enviados os assassinos econômicos. A expressão economic hit man, abreviada
em e.h.m. é utilizada pelos próprios, por sinal, mesmo porque, diz Perkins,
ninguém acreditaria neles ainda que assim se declarassem. O sistema é
extremamente sofisticado. Ainda assim há governos e dirigentes políticos que são
refratários a este grupo e a esta abordagem. Talvez percebam ou intuam a
trapaça. Contra estes são enviados o que Perkins chama de “chacais” – jackals –
que se incumbem de fomentar um golpe de estado ou, em último caso, liderá-lo,
usualmente suprimindo fisicamente a existência do grupo refratário aos
estadunidenses, a exemplo do se fez a Mossadegh no Irã. A intervenção armada só
acontece em último caso. No Iraque, por exemplo, conta que Saddam Hussein foi
refratário à abordagem econômica e estava impossível a sua deposição ou
assassinato, pois ele tinha muitos sósias. Naquele caso a intervenção armada –
falemos claramente, a invasão – foi indicada e praticada. O motivo alegado, a
existência no Iraque de armas de destruição em massa é fator de somenos
importância.
Assassinato de Omar Torrijos
Torrijos estava prestes a assinar um Tratado de Construção do Canal com o então
presidente Jimmy Carter. Foi uma decisão polêmica no país e Torrijo negociou
ainda com os japoneses, que se propuseram a construir um canal ao nível do mar
em condições mais propícias ao Panamá do que as oferecidas pelos EUA, irritando
enormemente os representantes da companhia construtora estadunidense Bechtel.
Com a derrota de Carter para George Bush (o pai do atual) alguns dirigentes da
Bechtel foram guindados a postos políticos de comando no aparelho estatal dos
EUA e passaram a pressionar Torrijos a fazer o Canal com os estadunidenses e não
com os japoneses. Torrijos se manteve firme e esta foi a sua sentença de morte.
Segundo Perkins era previsível e ele, que alega ter se tornado amigo pessoal de
Torrijos, sentia muito por perceber que a falha dos assassinos econômicos
determinava o início da atuação dos chacais. O método empregado foi a explosão
de um gravador dentro do avião que transportava o presidente panamenho. Segundo
ainda o Autor, decisões assim são tomadas e levadas a cabo pela CIA.
Por que o livro?
Perkins confessa, em seu livro, que se deixou seduzir pelo enorme montante de
dinheiro que auferiu ao longo de sua carreira de assassino econômico. Se
confessa embriagado pelo poder, pelo sexo e drogas que conseguia com o enorme
montante que recebeu. Sentia-se envaidecido de participar do esquema de poder da
nação mais poderosa do planeta. Hoje declara-se preocupado com o significado do
atentado de 11 de setembro, que abala e traz a guerra para dentro de seu país.
Declara-se ainda preocupado com o fato de a política econômica do FMI e do Banco
Mundial levar 24.000 pessoas a morrer de fome diariamente no mundo e desejoso de
atuar no sentido de ajudar (“ajudar de verdade”) as nações do mundo a encontrar
melhores caminhos à sua realização. Pensa que o estadunidense médio precisa ser
informado desta questão, que ignora. Escreve desejando que o conhecimento destes
fatos conduza a modificações sérias na política interna de seu país, com
reflexos internacionais.
Impressões
Há muito mais; o livro traz à tona os fatores determinantes de uma série de
questões que nos atormentam há décadas deixando outras apenas apontadas. Senti
falta de menção a Cuba e considero algumas referências superficiais. John
Perkins fala exclusivamente de sua vivência pessoal, deixando indicada a
percepção de muito mais do que registra na obra. Aponta caminhos e discorre
largamente sobre o tipo de procedimento que conduz o Brasil a esta submissão
abjeta a interesses estadunidenses.
No Brasil, a pressão dos assassinos econômicos levou Getúlio Vargas ao suicídio
em 1954. Com um tiro no peito fulminou seus adversários e atrasou o golpe
militar em 10 anos. Em 1964 os chacais, em aliança com os militares brasileiros,
entraram em ação na deposição de João Goulart. Nenhum governo após a ditadura
militar teve a hombridade de se levantar contra os interesses estadunidenses. O
que seria impensável aconteceu em 2003: Lula assume o poder e governa com o FMI,
contra o povo trabalhador do Brasil. Disposto a resistir e assim encontrar uma
nova era de liberdade e prosperidade, o povo brasileiro foi traído pelo
dirigente eleito justamente no momento em que podíamos dar ao mundo uma
demonstração de autonomia tão ou mais significativa do que aquele grito de
liberdade bradado até hoje em Cuba, única nação do continente que é de fato um
“Território livre na América”.