O mais político
dos temas econômicos LEDA PAULANI e RODRIGO ALVES TEIXEIRA
NOS ÚLTIMOS anos, o desenvolvimento econômico ganhou foros de tema
estritamente técnico. Estabilidade macroeconômica (leia-se
monetária) mais "ambiente favorável" aos negócios e estaria
garantido o crescimento substantivo e sustentado. Interessante notar
que essa visão tecnicista deslanchou a partir do governo de Fernando
Henrique Cardoso, justamente um dos maiores críticos da concepção
economicista do desenvolvimento econômico da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe) nos anos 60 e 70. Apesar
de ter pronunciado em Washington, em 1995, uma conferência com o
título "Desenvolvimento: o mais político dos temas econômicos" foi
sua gestão que consagrou essa virada na forma de encarar a questão.
Desolador é constatar que a mesma visão tornou míope o governo Lula.
O lançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ilustra
bem a cegueira: o governo garante a "estabilidade macroeconômica",
com a autonomia do Banco Central, ataca alguns gargalos de
infraestrutura e energia, incentiva o setor privado a investir e
conta com a sorte para que a situação externa não prejudique os
planos.
Verdade que o PAC pode ter algum efeito pontual na taxa de
crescimento (é "demanda direta na veia da economia", como afirmou,
de modo não tão preciso, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff), mas suas medidas estão longe de lograr o desenvolvimento
sustentado. Um conjunto de intenções, com atuações dispersas do
governo em áreas específicas, não se confunde com um plano integrado
de desenvolvimento.
Um verdadeiro plano passaria pela recuperação da capacidade do país
de fazer política econômica, o que implicaria a vontade política de
alterar o modelo econômico sob cuja batuta nos encontramos. Mas a
ortodoxia tampouco se viu contemplada no PAC. Segundo essa visão, as
medidas deveriam ser complementadas por aperto fiscal, reforma
previdenciária e reforma tributária (desonerando a produção). As
agências de classificação de risco já protestaram: a Moody's
descartou elevar a classificação do Brasil em razão da divulgação do
PAC, e a Merryll Linch declarou que o PAC traz "incerteza fiscal".
Reações tais deixam claro o caráter eminentemente político do
desenvolvimento.
A sinalização de que o governo vai realizar investimentos para
estimular o crescimento provoca insatisfação nos setores rentistas,
ou seja, naquela parcela da sociedade que vive de rendas, em
particular da imensa transferência que se processa pelo Estado, o
qual recolhe impostos oriundos da renda gerada pela sociedade toda
e, como pagamento do serviço da dívida pública, os repassa a poucos.
A descomunal influência que hoje detêm os interesses rentistas está
relacionada à atual fase experimentada pelo capitalismo, a de um
movimento de acumulação que se processa sob a dominância da
valorização financeira e torna atraentes as periferias do sistema,
não mais como alternativas para a expansão industrial, mas como
plataformas de ganhos rentistas.
O modelo macroeconômico seguido pelo Brasil de Lula espelha essa
dominância e monta uma armadilha para o desenvolvimento. Numa
espécie de "stop and go" congênito, o país cresce (a taxas modestas)
em períodos de calmaria e de elevada liquidez internacional e
decresce ao menor sinal de mudança, com o BC elevando os juros para
conter o impacto da desvalorização cambial sobre a inflação.
Mesmo em períodos de calmaria, como o atual, o país cresce menos que
os demais. A dominância rentista já se instalou na articulação entre
classes e grupos sociais domésticos e estrangeiros e nas câmaras e
antecâmaras do poder, o que está na raiz da servidão financeira do
Estado, traduzida na hiperortodoxia da política monetária. O PAC não
muda em nada esse entrave estrutural. Seu lançamento só explicita o
quão político é o conflito entre gerar renda e capturar renda,
particularmente num modelo em que a captura tem primazia sobre a
geração.
LEDA PAULANI, professora do
Departamento de Economia da FEAUSP e presidente da Sociedade
Brasileira de Economia Política, é autora de "Modernidade e Discurso
Econômico" (Boitempo).
RODRIGO ALVES TEIXEIRA é professor do
Departamento de Economia da FEA-USP.
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